- Intervenção de Jiddu Krishnamurti -
“Entendam também que vocês não podem extinguir qualquer relação existente nesse mundo, mas mudar o olhar, servir-se da Inteligência para compreender que tudo está incontestavelmente conectado. Mas não conectado em uma relação de posse ou de amor, seja qual for, mas como a própria expressão da Natureza do Amor.”
~ Descobrir o que Somos ~
Eu sou o IRMÃO K.
Irmãos e Irmãs, permitam-me transmitir-lhes minhas homenagens por sua
Presença.
Foi-me pedido, hoje, pela Assembleia dos Anciãos, com minhas palavras, para dar-lhes uma série de elementos que podem permitir-lhes, seguindo-os, talvez, seguirem-se vocês mesmos, a fim de descobrir o que vocês São.
***
Eu tive a oportunidade de falar sobre a Liberdade, sobre a Autonomia, sobre o conhecido e o Desconhecido.Em minha última vida encarnada, sobre essa Terra, eu vivenciei, muito
jovem, um choque.
O choque que chega a abalar as próprias estruturas da vida em meio à
pessoa e (frequentemente quando se trata de uma perda) uma perda vivenciada, é
claro, como um drama.
Muitas vezes, nessas condições, há como uma sideração da própria vida:
uma parada, um assombro.
Uma dor indizível que, repentinamente, de uma só vez, vai mudar o que eu
denominaria a relação com o mundo, a relação com a vida e, de qualquer forma, o
relacionamento com a vida.
Nos dias, nas semanas e nos meses que se seguiram ao choque que eu
vivenciei (e que é pessoal), ao meditar sobre o próprio sentido desse choque,
de seu significado e de sua relação com minha própria vida, de repente, de uma
só vez, o local onde eu estava (que eu olhava como uma forma de devaneio), esta
paisagem, esta natureza maravilhosa que eu observava, subitamente se
transformou.
Ela se tornou Vivente, como animada por um sopro diferente do que se
deixava ver por meus olhos.
Tudo se animou, tudo se tornou (e eu não tenho palavra melhor) Vivente.
No momento anterior, o que eu achava bonito e majestoso foi, então,
considerado morto.
E, no entanto, eu tive que me render à evidência: o que eu observava estava sempre aí, mas
possuía qualidades diferentes.
Minha introspecção, minha meditação de então, fez-me transportar,
prioritariamente, não tanto no sentido da experiência, que é incomunicável, nem
mesmo exprimível em palavras ou por qualquer arte que seja.
Esta experiência, que eu qualifiquei, em seguida, de indizível, não
podia ser comunicada de qualquer forma.
Pois, o que se conhece, durante toda a vida (por exemplo, a maneira que
vocês comem), vocês podem expressá-lo, mas ninguém pode comer em seu lugar,
ninguém pode ver através de seus olhos.
Entretanto, todo mundo vê e todo mundo come.
E mesmo se as circunstâncias desses atos podem tomar uma cor diferente
para cada ser, trata-se, fundamentalmente, dos mesmos atos, das mesmas funções,
para qualquer ser humano.
Mas aí, nisso que ocorreu, nisso que aconteceu, existia um elemento
estritamente desconhecido que me fez sair, de algum modo, do conhecido.
E, no entanto, enquanto vivendo isso, pela qualidade de introspecção que
era minha, eu compreendi, de imediato, que eu nunca poderia compartilhar essa
experiência transcendente.
Que eu nunca poderia, com palavras, compartilhar o que tinha vivenciado.
***
Então, eu percebi que a única coisa que era possível, naquele momento
(graças a esta faculdade de introspecção), era descrever, de alguma forma, os meios
que iam permitir ver além do que era visto, além do Véu, ir do que é conhecido
a esse Desconhecido.
E porque isso era a consequência (para mim, como para todo ser que vive
isso) de viver a Liberdade, a Autonomia e o que eu denominei, recentemente, a
Responsabilidade.
Inicialmente, o que eu tinha vivenciado era completamente independente
de qualquer referência a um passado, de qualquer referência a minha própria
vivência anterior, de qualquer referência a uma mínima projeção, seja qual
fosse, a um mínimo desejo.
No instante anterior, isso não estava aí.
No instante seguinte, isso estava aí.
E este instante seguinte radicalmente transformou o que eu era.
Houve, efetivamente, um antes e
um depois.
Do mesmo modo que o trauma da perda enorme que eu vivenciei estava
inscrito em um antes e um depois.
Um antes em que eu nada tinha perdido.
E um depois em que tinha o sentimento profundo da perda, do sofrimento,
do luto.
Aí, do mesmo modo, saindo desse conhecido habitual, foi-me deixado viver
(sem procurá-lo, é claro) algo que nada mais tinha a ver com o campo de
experiências habitual do ser humano, tanto no ordinário, como no espiritual.
O que foi mais notável é que, naquele momento, minha relação com o
mundo, minha relação com os outros, foi irremediavelmente e radicalmente
transformada.
Tudo o que eu percebia, tudo o que eu vivia tinha uma tonalidade, uma cor, uma impregnação que não correspondia absolutamente a nada do que os sentidos podiam proporcionar, do que o intelecto podia proporcionar, ou do que as próprias emoções podiam proporcionar.
***
Eu estava, então, frente ao que eu denomino, ainda hoje, esse Desconhecido
que, é claro, tornou-se minha natureza, como ela está prestes a se tornar a de
vocês.
Mas em toda a minha vida, por esse choque inicial, eu compreendi e me
apreendi e tentei transmitir, da melhor forma que eu podia, que esse Indizível,
que esse Desconhecido, apenas podiam se manifestar e existir (enquanto estando
sempre aí) a partir do momento em que o conhecido tivesse desaparecido
integralmente.
Apreendam-se bem de que não era questão de negar alguma coisa, mas, sim,
de viver algo diferente, sem buscá-lo, e eu analisei, então, as circunstâncias
da inteligência da relação e eu tentei levar (na maioria de minhas entrevistas)
a Consciência de meus Irmãos e Irmãs no que podia representar, de algum modo,
obstáculos na manifestação do que estava aí, de toda a Eternidade, de todo o
tempo, mas que, simplesmente, mecanismos específicos, inscritos em meio à pessoa,
literalmente impediam de ser vivenciado.
Eu me apreendi de que toda relação devia ser livre e de que toda relação
que estava inscrita em uma dominação, em um poder, em uma organização (mesmo a
mais lógica: social, espiritual, familiar), jamais permitia viver isso.
De que enquanto existisse a persistência de um conhecido, enquanto a
pessoa mantivesse esse conhecido (mesmo em seus aspectos mais agradáveis, mais
atraentes, mais amorosos, digamos), esse Absoluto não podia penetrar ou não
podia, de algum modo, deixar-se penetrar por este Desconhecido.
Eu me apreendi, também, de que a relação não tinha que ser rompida, que
ser negada, que ser recusada, mas, sim, realmente (e não há palavra melhor),
que ser transcendida.
Enquanto vocês estiverem fechados em uma relação, seja qual for, mesmo a
mais bela, vocês não podem descobrir o Desconhecido.
Porque a relação, por essência, é sempre fundamentada em uma necessidade
de confiança, em uma necessidade de amor, em uma necessidade de certezas.
Mas todas essas relações não são Livres.
Elas dão a impressão da liberdade, do substituto da liberdade, do
substituto do amor, mas elas jamais irão lhes permitir (em sua realização mais
total, até mesmo) viver o Desconhecido e viver a Liberdade.
Não há então, fundamentalmente, relação livre.
A única relação verdadeira é aquela que se estabelece muito além da
pessoa, muito além da alma, muito além do Espírito, muito além de todo o discurso
podendo fazê-los crer na existência de relações entre almas, entre Espíritos,
entre as Dimensões, ou entre vocês e seja com quem for.
Eu cheguei, naquele momento, a desfazer minha afiliação de qualquer
organização.
Porque, a partir daquele instante, eu me apreendi de que nenhum movimento, nenhuma organização, nenhum grupo podia realizar isso, pois o conjunto disso não podia se inscrever em nada de conhecido, em nada organizado, em nada estruturado ou sistematizado.
***
O Desconhecido não pode se acomodar a nada de conhecido.
Enquanto houver o conhecido, há persistência, em meio a esse mundo, dessa
pessoa, seja qual for a sensação, sejam quais forem as experiências, seja qual
for ainda o lado agradável ou bonito.
O conhecido jamais conduz ao Desconhecido.
Então, é justamente algo que é preciso desfazer-se e é preciso se
desfazer, agora, de qualquer relação.
Apreendam-se bem de que eu não peço, por aí, nem os aconselho, de forma
alguma, a romper ou a anular qualquer relação, mas, bem mais, a transcendê-la,
além de todo o sentido de organização, além de todo o sentido de propriedade ou
de apropriação.
A Liberdade, a Autonomia, a Responsabilidade, o Si, apenas pode se
estabelecer a partir do momento em que vocês tiverem interrompido, nos próprios
mecanismos do seu pensamento, todos os apegos, a qualquer religião, a qualquer
pessoa, a qualquer identidade.
Vocês não podem pretender ser Livres sem se Liberarem realmente.
Vocês não podem se encontrar para estar no Desconhecido, estando no
conhecido, seja ele qual for.
Sejam quais forem os nomes que possam dar diferentes correntes
tradicionais e iniciáticas, mesmo em sua justeza de palavras, em nada poderá
permitir-lhes viver o Desconhecido enquanto vocês estiverem no conhecido.
Pois, por definição, sobre esse mundo, tudo o que é conhecido de vocês
pertence necessariamente a uma reprodução, a um efêmero, a algo que pertence a
uma convenção, qualquer que seja.
Convenção que está inscrita, necessariamente, na dependência afetiva,
social, familiar e que, jamais, irá permitir-lhes viver a Independência.
Os poetas têm dito: “seus filhos não são seus filhos”.
Essa é a estrita verdade.
Enquanto existir, em vocês, um sentido de propriedade, um sentido de
apego, seja a quem for, a algum conceito, vocês não podem pretender o Desconhecido,
a Liberdade e, ainda menos, a Liberação.
Apreendam-se bem (e aí está todo o paradoxo ou, se pudermos dizê-lo, a
aparente dificuldade) de que não há, portanto, nada para rejeitar, nada para
romper, exceto em vocês mesmos, no nível do que vocês concebem, do que vocês
creem, de tudo o que foi experimentado.
Nenhum Desconhecido pode se revelar enquanto vocês estiverem instalados
no conhecido.
Nenhuma Liberdade pode aparecer enquanto vocês mesmos não estiverem
Livres.
Entretanto, a experiência que eu vivenciei, esse acesso ao que era
Vivente, é a Liberdade.
Porque isso É, de toda a Eternidade, independentemente de qualquer circunstância, independentemente de qualquer olhar, independentemente de qualquer pessoa.
***
Eu fui convidado, então, a expressar-me longamente (sob forma de
imagens, às vezes), tentando dizer e exprimir que jamais algum ser humano
poderia fazê-los viver esse Desconhecido (pois isso é uma abordagem pessoal,
além da pessoa), que não podia existir qualquer salvador exterior, que não podia
existir qualquer opinião exterior a vocês mesmo e que, a partir do momento em
que uma relação se estabelece (no conhecido, de casal, de mestre a discípulo),
não pode ali haver Liberdade.
Então eu afirmei, e reafirmo, hoje, que não há qualquer guru, qualquer
mestre, qualquer ser que possa conduzi-los à Liberdade e à Liberação.
Há apenas ressonâncias (em meio a uma relação mais livre possível) que
podem levá-los a reconsiderar o que vocês chamam de liberdade, de liberação, o
que vocês chamam de conhecido.
Vocês podem, como diriam outros Anciãos, eliminar (sem rejeitar) de sua
cabeça, tudo o que for conhecido.
O Desconhecido não pode ali se encontrar.
Não há, portanto, solução de continuidade, e todo engano da pessoa está
aqui: é crer que a Luz, impactando-se nas Estrelas, nas Coroas, vai
preenchê-los e vai transformar alguma coisa em vocês.
É impossível.
Isso foi uma etapa.
Mas viver a Liberdade e a Liberação é abandonar muito mais do que a
pessoa.
É abandonar até mesmo a Luz que é vivenciada como exterior.
***
Ser Luz não é se preencher de Luz.
Ser Livre não é evocar a Liberdade.
É já apreender-se do que ela não é.
Do mesmo modo, o Absoluto não pode ser compreendido.
Ele apenas pode ser aproximado através do que ele não é.
Assim como houve durante meu choque (que é também o choque de cada um) um antes e um depois, há, efetivamente, uma
Passagem.
Essa Passagem não pode ser decidida em meio ao conhecido.
Ela necessita, além do Abandono à Luz, de um Abandono do Si e da pessoa,
na totalidade.
O que não é, no entanto, um suicídio ou o fato de negar alguma coisa,
mas, sim, estar em uma lucidez nova, aceitar que não pode haver qualquer
autoridade, qualquer ser, qualquer guru, qualquer deus, qualquer circunstância,
que possa levá-los ao que vocês São.
Mais uma vez, é apenas afastando de sua consciência tudo o que é
consciente, todas as experiências que, em última análise, vocês irão superar
até mesmo a consciência do Si.
Resultando no que nós poderíamos denominar, de diferentes modos, o Todo, o Absoluto, “Eu e o Pai somos UM”, ou, ainda, o Brahman e o Parabrahman ou, se vocês preferirem, o fim do conhecido.
***
Haverá sempre, em meio a qualquer relação, uma salvaguarda.
Esta salvaguarda sempre é inscrita em relação a uma norma, a uma regra.
Eu afirmo, como eu afirmava durante minha vida, que nenhuma regra,
nenhuma forma, nenhum limite pode ser mantido no Ilimitado.
Nenhuma definição, nenhum conceito e nenhuma percepção sequer (habitual,
sensorial) pode definir o que não se enquadra em qualquer definição.
E, no entanto, é daí que se tem a Verdade, a Eternidade e que se tem,
exclusivamente, o que vocês São, o que nós Somos.
A Liberdade inscreve-se em uma relação totalmente nova, desvencilhada, é
claro, de qualquer apego, de qualquer papel, de qualquer função até mesmo, e,
sobretudo, de qualquer vontade inerente à pessoa.
Não há pior obstáculo a essa Liberdade do que a ‘vontade de bem’, do que
a vontade de organizar, de estruturar essa experiência.
Não há pior obstáculo ao Desconhecido do que o conhecido.
Não há maior resistência do que o que vocês creem ser em meio ao seu
conhecido: pessoa, vida, experiência, história pessoal, lenda pessoal.
Tudo o que vocês mantêm, nos mantém, de maneira inexorável e definitiva.
É preciso então aceitar, como dizia nosso Comandante (ndr: O.M.
AÏVANHOV), desprender-se, nada mais ter, encarar o nada do conhecido para viver
o pleno.
Vocês não podem ser preenchidos com qualquer consciência do que deve preenchê-los, ou ser o que vocês São.
***
A postura da relação (seja qual for essa relação) deve ser concebida
como uma postura de Liberdade e de Liberação total.
O Amor é esta Liberdade.
O Amor é esta Liberação.
Ela não está em uma projeção de algo no exterior do ser, mesmo que isso
seja atraente, mesmo que isso seja tranquilizador, mesmo que isso possa parecer
satisfazê-los.
Reflitam: por que, mesmo em meio a uma relação usual de casal, haveria
necessidade de recomeçar algo que iria satisfazê-los permanentemente (seja
olhar-se, fazer amor)?
Seja qual for o ato que vocês empreenderem, com um outro ou uma outra,
há necessariamente uma reprodução, pois há necessidade, efetivamente, de
preencher isso que está vazio em vocês.
Entretanto, vocês preenchem com algo que jamais irá preenchê-los.
Qualquer relação do conhecido, qualquer relação com um outro ser, jamais
poderá preenchê-los, de maneira alguma, porque vocês já estão preenchidos.
Aí está o que poderia parecer como funesto ou triste.
Como o que está (por exemplo, na paisagem que me foi revelada) poderia
não estar ali, no instante anterior?
O que mudou foi minha visão, além de toda a percepção e da própria visão
ocular.
Passar do conhecido ao Desconhecido não pode acontecer enquanto vocês
mantiverem alguma coisa do conhecido.
Como diziam alguns ensinamentos no passado: “se tu encontrares Buda,
mata-o”.
O mestre serve apenas para isso: para ser morto.
Toda relação é fadada ao fracasso enquanto vocês permanecerem no
conhecido, mesmo que ela satisfaça o conjunto de sua vida.
O que vai restar, no momento da partida?
O que me restou quando eu perdi, jovem, o que eu tinha de mais caro aos
meus olhos: o nada, a aniquilação.
E é em meio a esta aniquilação que nasceu (enfim, eu acreditei nisso) o
que estava aí, de toda a Eternidade.
Eu, então, de algum modo, transcendi o conhecido, atônito diante do Desconhecido dessa morte que me havia tomado o que eu tinha de mais caro, para descobrir que, de fato, nenhuma relação, em meio ao conhecido, podia satisfazer coisa alguma.
***
Foi então, naquele momento, minha responsabilidade, como é hoje, atrair
sua atenção, sua consciência, de que nada do que lhes é consciente, nenhuma
relação presente com um outro, ou mesmo no interior de vocês, nas diferentes
partes da pessoa, nenhuma lógica, nenhum contexto de referências, nenhuma ação,
pode levá-los ao Desconhecido.
A Ação da Graça, esse Casamento Místico apenas se realiza, em última
análise, com nada mais do que o que poderíamos nominar ‘você mesmo’, em outro
nível (o duplo, se vocês preferirem).
É o momento em que o complexo que foi nominado, eu creio, inferior (o
corpo físico e seus envelopes sutis), casa-se com o complexo, se pudermos nominá-lo
assim, além do conhecido, no Desconhecido, além mesmo do corpo de Estado de
Ser, além mesmo do Si.
Naturalmente, muitos seres humanos vivem hoje o acesso, eu o denominaria
assim, ao Si: a realização do Si.
De maneira totalmente inesperada, de maneira totalmente feliz ou, aí
também, por vezes, depois de um sofrimento.
Mas mesmo este Si, seja qual for a leveza que ele proporcionar, não é a
Verdade.
A única Verdade é aquela que vocês não podem imaginar, conceber,
perceber e nem mesmo sentir.
O Absoluto está além de toda a percepção e de toda a sensação e,
sobretudo, além de toda a projeção, de toda a relação, porque todas as relações
deixam de ser apego.
O Casamento Místico, como eu o vivenciei olhando essa paisagem, vai muito além da simples comunhão com o que é vivenciado, mas os faz perceber a ausência total de distância entre o que vocês acreditavam ser anteriormente (uma pessoa) e a própria paisagem.
***
Eu dizia, durante minha vida, àquele que me perguntava sobre essa outra margem,
que eu não podia fazê-lo atravessar.
Somente ele é que podia constatar, por ele mesmo, o que era esta outra
margem.
É o mesmo, hoje.
Nenhuma afirmação, nenhuma experiência em meio ao conhecido (mesmo
através de um caminho Vibratório, energético, que vocês vivenciaram, ou não),
pode levá-los a essa outra margem.
Porque existe, em meio ao que é chamado de vida sobre esse mundo, em
meio à pessoa, seja qual for, um princípio que sequer é questão de discutir a
existência, que eu denominaria princípio de sobrevivência.
Este princípio de sobrevivência inscreve uma forma de perenidade
ilusória nesse corpo.
Se a mão for colocada sobre algo que está quente, independentemente de
sua decisão, a mão se retira para evitar a queimadura.
Esses mecanismos de sobrevivência são perfeitamente conhecidos.
Eles não são, então, o Desconhecido e eles absolutamente não conduzem ao
Desconhecido já que são, ainda, a salvaguarda que os impede, de maneira muito
lógica, de acessar e de Ser este Desconhecido.
A relação correta é uma relação que se torna impessoal e que o é, porque
no Si, como no Absoluto, não há mais limite, não há mais papel, não há mais
função, não há mais organização.
O outro não é visto como uma outra forma, mas, sim, como parte
integrante, além de toda a visão desse Desconhecido que nós Somos.
Em todos os tempos, os seres renunciaram a esse mundo, esperando
encontrar o outro mundo.
Muito poucos ali chegaram.
Porque, renunciar ao mundo, é renunciar à vida.
Entretanto, vocês não podem renunciar à vida, mesmo em seus apegos,
negando-a.
Vocês apenas podem transcendê-la, transcendendo, justamente, o que eu chamei de relação.
***
A Liberdade e a Verdade são um país ou um território sem qualquer
caminho.
Obviamente, a pessoa que vocês são, que vocês creem ser, vai fazê-los
crer, permanentemente, na existência de um caminho, comum, através de seus
filhos, do ser amado, através de um amigo.
Entretanto, não existe qualquer caminho para o Absoluto.
Ele está aí, de toda a Eternidade.
Como o que está aí, de toda a Eternidade, poderia ser buscado ou
encontrado, já que ele já está aí?
Quando nós dizemos que vocês São a Eternidade, que vocês São a Graça,
que vocês São a Dádiva da Graça, isso não é uma afirmação gratuita ou uma
autossugestão que, aliás, de nada serve, pois aqueles que não vivem isso apenas
podem vociferar sua contrariedade e seu ódio frente a isso.
Assim é o ego, mesmo repleto de Luz.
Vocês devem, se tal for seu desejo, liberar-se totalmente de tudo o que
é conhecido, conceber que não há caminho, em última análise, a fim de perceber
que não há território, que não há país, que não há pessoa e não há mundo.
Sem, no entanto, que isso seja uma rejeição de alguma coisa.
***
O Desconhecido nada tem a ver com o conhecido, mas ele o integra.
O Ilimitado nada tem a ver com o limitado e, no entanto, o limitado
apenas pode estar contido no Ilimitado.
Vocês estão exatamente na mesma situação.
Vocês estão exatamente na mesma suposição e são apenas vocês que podem
realizá-lo, aceitando que estritamente nada há para realizar.
Isso não é um paradoxo, nem uma oposição, ainda menos um antagonismo.
A única relação correta não pode ser estabelecida com uma das partes do
Todo, mas, sim, com o Todo.
Entretanto, qualquer relação com o Todo, com o Absoluto, com o Brahman,
é apenas a realização incondicional desse estado, além de todo o estado, do que
está muito além até mesmo da Consciência.
A Consciência, em última análise (seja qual for: limitada ou do Si), será
apenas, sempre, a expressão de uma simples separação, mais ou menos
pronunciada.
Vocês não podem estar separados, de forma alguma, do que vocês São.
Vocês não podem limitar o que é ilimitado.
Nenhuma experiência irá levá-los ali.
Não há, aliás, qualquer caminho e como eu disse, qualquer território e qualquer país.
***
Se, contudo, a pessoa que vocês são, se, contudo, o Si que vocês são,
não puder aceitar, nem mesmo considerar o que eu digo, então, não importa,
porque, aí também, nada há para projetar em um desejo de ser isso, pois vocês o
São, de toda a Eternidade.
Nada há, então, para desejar, assim como nada há para projetar, assim
como nada há para ser.
Há apenas que se estabelecer, de algum modo, no que já está
estabelecido.
Nenhuma vida, nenhum conhecido, poderia ainda ser considerado sem ser
sustentado, contido, pelo Amor, pelo Desconhecido.
Muitas vezes o ser humano fala do Amor.
Ele mesmo criou religiões, em nome do Amor, cujos atos têm sido a
antítese do Amor.
Todo mundo conhece as relações amorosas, filiais, maternais, mesmo as
mais ideais, que sempre terminam tragicamente.
Por quê?
Porque a morte, inelutável, faz desaparecer toda a ligação.
Então, é claro, a alma que reencarna em outra pessoa vai, por desespero
ou por amor projetado, manter essas ligações, essas relações, sob outros
papéis, sob outras funções, sob outras perspectivas, mas isso não é a Liberdade
e jamais irá conduzir à Liberação.
Portanto, mesmo o karma, o livre arbítrio, é uma heresia, uma criação
pura da limitação, do confinamento.
O que vocês São nada conhece de tudo isso, o que vocês São está além de
tudo isso.
Não basta conscientizá-lo, porque isso não pode ser conscientizado, nem
realizado, pois, justamente, isso sempre esteve aí.
Aí onde se colocam, disseram alguns Anciãos, sua Intenção e sua Atenção, realiza-se a Consciência do que vocês são ou do que vocês creem ser.
***
No que se refere ao que foi denominado a Onda da Vida e que eu prefiro
chamar de Dádiva da Graça, não há estritamente nada para fazer.
Não há nada para desejar.
Não há, tampouco, nada para esperar.
Há justamente que deixar Ser o que É, de toda a Eternidade, sem qualquer
intervenção da pessoa, sem qualquer intervenção da emoção, do mental, do
julgamento ou de qualquer espiritualidade.
A relação (quando ela é apreendida além de tudo o que pode ser
conhecido) irá liberá-los, pois, em última análise, a única relação que pode
permanecer e que é Verdade, está muito além da relação, tal como é
compreendida.
Ela é Comunhão, Fusão, Dissolução.
Ela é este Êxtase ou esta Íntase muito particular, além do Samadhi,
onde a própria identidade (se ferozmente mantida na Ilusão) desaparece.
E no desaparecimento da Ilusão da identidade há estabelecimento no
Absoluto, onde, efetivamente (e concretamente, não por projeção, por desejo ou
suposição) tudo é UM, porque na mesma Graça, na mesma Onda, na mesma Liberdade.
Entendam também que vocês não podem extinguir qualquer existente nesse
mundo, mas mudar o olhar, servir-se da Inteligência para compreender que tudo
está incontestavelmente conectado.
Mas não conectado em uma relação de posse ou de amor, seja qual for, mas como a própria expressão da Natureza do Amor.
***
Aí está ao que a Terra se desperta e se revela.
Aí está ao que a Dádiva da Graça convida vocês: a Casar-se.
Mas não ao casamento com esse corpo ou com um outro corpo ou com uma
outra alma ou com um outro Espírito.
Este Casamento com o Absoluto restitui vocês ao Absoluto.
Restitui vocês à única Verdade: aquela que não está inscrita no tempo e
no espaço, aquela que não está inscrita em um caminho ou em um país ou em um
território e, ainda menos, em qualquer organização, seja ela qual for.
Enquanto vocês pensarem que devem pertencer a alguém, a um grupo social,
a um grupo humano, vocês não são Livres.
Ser humano é, justamente, escapar, sem renegar, de todo o
condicionamento, de toda a percepção, de toda a concepção, refutar tudo o que é
conhecido.
Não há outro caminho.
Não há outra possibilidade, doravante, do que Ser o que vocês São, aí
onde vocês estão.
Esta Dádiva da Graça representa o momento final em que, como dizia A
FONTE, o Juramento e a Promessa são revelados.
Eles sempre existiram.
Aí onde vocês estão é o que vocês são.
***
Agora, observem com inteligência quais são suas relações.
Toda a sutileza está aí.
As religiões os confinaram em um ser exterior que podia salvá-los, ao
passo que esses Grandes Seres (e houve vários, mesmo os maiores deles) apenas
lhes disseram, em última análise, uma coisa (evidentemente transformada pelo
próprio princípio da organização, seja ela qual for): que sua essência era o Amor, que vocês não
eram desse mundo, mas que estavam sobre este mundo.
Não há ninguém para seguir.
Há apenas, eventualmente, que imitar esses Grandes Seres, não por
imitação, mas por ressonância, de algum modo.
Todos esses Seres nunca expressaram mais nada, ao passo que as
organizações, as religiões organizaram a verdade final para própria
conveniência, a fim de manter relações de dependência, de confinamento.
A sociedade fez exatamente a mesma coisa, seja através de técnicas,
através de regras e mesmo através de uma relação que, paradoxalmente, é chamada
de amorosa.
O Amor não pode ser uma projeção de alguma coisa, para qualquer coisa, já que o Amor é a própria Natureza do átomo, dos mundos, de todas as Dimensões, além de toda a apropriação, além de toda a suposição.
***
Hoje, a Dádiva da Graça chama vocês, se bem que a palavra não seja
exata.
Mas o conjunto das circunstâncias da Terra os chama.
O Som do Céu, o Som da Terra, os vulcões, apenas refletem o que acontece
em vocês.
O apelo percebido, no Céu como na Terra, é o apelo da Dádiva da Graça,
em vocês.
É apenas o olhar projetado que vê um mundo.
As lutas que vocês observam sobre esse mundo são apenas suas próprias
lutas.
Tudo o que vocês rejeitassem deste mundo apenas representaria, em última
análise, o que vocês rejeitam em vocês mesmos.
A Dádiva da Graça é um apelo à Liberdade e à Autonomia, à sua
Responsabilidade.
A Dádiva da Graça é, efetivamente, um deleite permanente.
Este deleite nada tem a ver com o deleite limitado, porque este é um
deleite Ilimitado.
O deleite limitado pertence ao contexto amoroso ou afetivo.
Ele é obrigado, como disse, a repetir-se sem cessar para dar a impressão
de se manter em uma permanência: sejam as carícias prodigiosas, um olhar dado,
um beijo dado, a educação de um filho, tudo isso, e vocês sabem que para
vivê-lo, tudo deve ser reproduzido, sem parar, a cada dia, a cada instante.
No início, é claro, com facilidade e evidência, e por vezes até o fim,
até mesmo, na própria evidência.
Mas isso é apenas a reprodução, isso é apenas a ilusão do amor.
***
O verdadeiro Amor, aquele que os faz considerar todos os seus Irmãos
como parte integrante de vocês mesmos, pois essa é a estrita Verdade, que
apenas pode se revelar (embora sempre estivesse aí) a partir do momento em que
vocês aceitarem ir além da pessoa.
Eu não falo, portanto, de qualquer narcisismo visando amar a pessoa,
mas, sim, de amar o que vocês São, além de toda a pessoa e, então, de todo o
papel: é estar na relação real com a Verdade e vocês nada mais são do que a
Verdade.
Vocês não são o que vocês projetam.
Vocês jamais serão o que vocês acreditam idealmente sustentar-se em uma
permanência, mas vocês são, realmente, esta permanência.
Não há, portanto, nada para buscar no exterior, porque não há exterior.
***
Hoje, a Dádiva da Graça vai levá-los, ou não, a viver (porque essa é sua
Natureza) a Doação e a Graça.
Não a doação de um amor, não a doação de si somente, mas muito mais:
além de toda a consciência, viver a natureza essencial e primordial do que
vocês São.
Só o jogo da distância, da separação, do distanciamento, da pessoa, nos
fez crer, a todos nós, que nós podemos perder alguma coisa.
E é essa mesma experiência que, muitas vezes, conduz à Eternidade.
Pois a dor da separação é tal, é tão intensa e indizível, que ela apenas
pode resultar no Absoluto, rendendo Graças, de algum modo, à própria Graça,
pondo fim então a toda a Ilusão.
Naquele momento, vocês São o Amor.
O mesmo Amor nessa pessoa que vocês não são mais, no átomo, no Sol, no
ser dito amado, como no ser chamado de inimigo.
Todas essas denominações não têm mais sentido, pois estritamente não há
mais nada a chamar que já não esteja presente no Absoluto.
Hoje, sobre esse mundo, tudo isso está, eu diria, cada vez mais
acessível e cada vez mais evidente.
Em outras palavras, não há outro Apocalipse senão esse: enquanto a
pessoa considerar, de uma maneira ou de outra, um fim, ela então se reconhece
finita, ela então se reconhece efêmera.
Aquele que vive essa relação final saiu definitivamente dos jogos de
papéis, dos jogos de posse, dos jogos de atribuição de papéis ou de poderes.
Pois não há outro poder senão o poder da Vida, que é Dádiva da Graça.
Onda da Vida.
Onda do Éter.
Onda da Eternidade.
Não há outro Casamento senão aquele de sua Liberdade.
Não há caminho.
Não há território.
Não há limite.
***
Se a pessoa que vocês são não puder aceitar (eu bem digo não aceitar e
não compreender, pois o que eu digo está inscrito além de qualquer compreensão,
eu chamei isso de algo que vocês podem apreender em sua essência e não através
dessas palavras), então, eu lhes diria, simplesmente, que isso É, de toda a
Eternidade, e não tem a ver com sua opinião, não tem a ver com sua posição, não
tem a ver com sua adesão ou sua negação.
Pois tudo isso não pode alterar, de forma alguma, o Absoluto.
Caso contrário, como ele seria o Absoluto e como ele seria o Último?
Aí está, através de minha experiência de vida, e através do que eu
poderia ser tentado a chamar do que eu represento hoje, o que eu podia dizer a
vocês.
Eu penso que o tempo que me foi atribuído chega ao final.
Se nós tivermos tempo e se houver alguma pergunta exclusivamente
referente ao que eu acabo de enunciar, então, eu irei escutá-los.
***
Nós não temos mais perguntas. Nós lhe agradecemos.
***
Eu proponho um
instante para vocês.
Este instante não é dedicado ao acolhimento da Luz, nem mesmo da Onda da
Vida, mas se dedica, simplesmente, a estarem atentos.
Um momento de meditação, sem objeto, sem suporte, sem pedido.
Apenas isso.
Essa é minha maneira de render Graças à sua Presença, minha maneira de
saudá-los e de dizer-lhes até breve.
Eu lhes direi quando isso cessar.
Agora.
... Compartilhamento da Dádiva da Graça ...
Até breve.
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Mensagem do Venerável IRMÃO K no site francês:
https://issuu.com/ultimasleituras/docs/20-frere_k-17_mars_2012-articleea96
17 de março de 2012
(Publicado em 18 de março de 2012)
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Tradução para o português: Zulma Peixinho
http://portaldosanjos.ning.com
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